O fato a seguir relatado aconteceu há mais de 30 anos e teve como protagonista um tio meu, de nome Luiz Urbano, de saudosa memória, falecido prematuramente no ano de 1986. Quem o conheceu sabe que era capaz de executar sem pudor um ato de tal natureza.

 

Encontrava-se, pois, Tio Luiz na fazenda de meu avô Urbano, também de saudosa memória, situada no Município de Pedrinhas, quando por lá chegou um morador da cidade trazido em uma carroça por um amigo.

 

Em que pese fosse Tio Luiz advogado, sendo, portanto, conhecido nas redondezas por “Doutor Luiz”, foi o cidadão à sua procurar com o propósito de obter cuidados médicos. Naquela época, na qual no interior eram raros os bacharéis, era comum se achar que a pessoa tratada por doutor fosse versada em medicina. Estava o suplicante, segundo relatos que ouve de testemunhas oculares da história, pálido e com o semblante bastante sofrido.

 

Após ouvir as queixas do enfermo, formulou Tio Luiz, sem demora, o diagnóstico pertinente ao caso, que não se mostrava, de fato, de grande complexidade. Adiantou, entretanto, a ele que não possuía habilitação para as artes da medicina, mas, diante das súplicas reiteradas, bem como da dificuldade na região de se obter pronto atendimento médico, resolveu ajudar o pobre coitado.

 

Assim, como era dotado de aguçado pragmatismo, destemor e de notável capacidade inventiva, alguns dizem também que de boa dose de sadismo, chamou Tio Luiz o seu assistente “pau para toda obra”, que atendia pela alcunha de “Vapor Doido”, e foi passando as instruções. Não sei até hoje a origem desse apelido, mas como conheci pessoalmente a figura, posso imaginar a razão.

 

Primeiro, mandou Vapor ir buscar a bomba de encher pneu de bicicleta, que se tratava de um cilindro de aço, com uma mangueira acoplada. Voltando o “enfermeiro” com o instrumento do procedimento, disse ao seu “paciente” para abaixar as calças e colocar as mãos no muro do alpendre da sede da fazenda, que devia ter aproximadamente um metro, o qual obedeceu a orientação sem pestanejar.

 

Em seguida, da rede onde se encontrava deitado, passou Tio Luiz à distância a orientar a execução do procedimento por parte do seu assistente:

 

– Vapor, disse ele, passe um pouco de graxa na “boca” da mangueira e em seguida faça a conexão dela com o “carretel” do nosso amigo. Depois, comece a bombear bem devagar até eu mandar parar.

 

Cumprindo as determinações do chefe, a quem devotava fidelidade canina, encaixou Vapor o instrumento no orifício até então obstruído do enfermo e passou a enviar para a região a “medicação” ministrada. Ao ver os olhos do paciente arregalarem-se, foi passado o comando para ser interrompido o bombeamento.

 

Dando os trâmites por findos, determinou Tio Luiz a Vapor que desconectasse a mangueira, tendo o cuidado de antes, como conhecedor das Leis de Newton,  orientá-lo a sair da “linha de tiro”.

 

Pois bem, ao ser “desplugada” a mangueira, tal ato foi sucedido imediatamente por violentas rajadas nas quais era expelida a massa obstruidora do canal, que eram, também, intercaladas por estrondosas saraivadas de gazes para o ar.

 

Cessado o tiroteio, indagou Tio Luiz ao paciente como estava a se sentir, oportunidade em que ele, olhando-o com um misto de alívio e de dor, respondeu:

 

– Dr. Luiz, as beirada do  fiofó tão ardendo que nem brasa, mas, abaixo de Deus, só o senhor para me desgarrar deste aperreio!