Era só descer do ônibus no terceiro ponto da praia 13 de Julho, embarcar nas canoinhas de tábua pilotadas pelos nativos e atravessar até o outro lado. O Colodiano, território sem incômodos da lei, oferecia maconha livre e grandes baratos. Era a território da contracultura nos anos 70, bem ali, pertinho dos bem-bons da cidade, mas distante da repressão que nos incomodava.

O Colodiano era inexpugnável. Do lado da pista Beira Mar, só tinha acesso às canoinhas de taboa manobradas por pescadores de cabeça feitaos xincheiros conhecidos; do outro, pela Atalaia, era impossível acessar por causa dos tocos de mangue, providencialmente impeditivos aos caretas, manés e, principalmente, às viaturas policiais.

Tanto que, traficantes românticos quando livres da penitenciária, era lá que comemoravam a liberdade com rega bofes e mesuras fazendo a cabeça da turma. Havia sempre uma partida de futebol.

Lá, dando bola com a contravenção, vivemos a marginália dos anos 70 na maior naice. Cabeça feita, depois do futebol, um peixe torrado aqui, um guaiamun cevado, ou uma carne frita feitinha agora mesmo. Com farinha e pimenta, custava poucos cruzeiros. Caro e de grande valor era o respeito de cada um por cada qual, no território livre do Colodiano.

Numa tarde, lá pras cinco horas, decidimos navegar numa canoa largada. Malucos, lombrados de cachaça e tudo, singrávamos o pôr do sol… não podia dar certo. Logo logo Delmano, tirando de condutor, enfiou demais o remo no lodo e não o segurou de volta. Lá ficou, fincado no leito do rio, o instrumento da nossa mobilidade. Éramos então um barco à deriva pelo rio Sergipe cantando “Travessia” e rindo, não se sabe de quê.

Mas a alegria só durou até o desespero bater, já debaixo da ponte do Poxim, a caminho do meio do mundo e sem remo pra parar. Alguém gritou amarrando o bode: -Paraí meu irmão, onde é que esse barato vai parar?

Quem nos parou foi Augusto do Bar 315, que morava ali debaixo da ponte e era irmão. Sentiu o drama e foi lá.

Eu achei o maior barato, mas houve quem dissesse que não, que foi bodante porque a maconha era de qualidade ruim… paia, pra bem dizer.

O Colodiano, hoje bestamente chamado de Coroa do Meio é uma ponta instável, sedimentada por marés malucas que pegam terra na Barra dos Coqueiros e a joga pra cá. Começava no velho farol, onde fincou casebre o seu primeiro morador, seu Claudiano, um pescador magrão esturricado de sol com cara de dervixe indiano. Quando soube que “os home ia metê o tratô pra retaiá e vendê” ficou besta. Quando chegara ali, quarenta anos antes, aquela terra não existia.

– O mar trouxe meu fio, o mar vai levar.

E tratava de buscar sua Colomy, enquanto ainda dava tempo de apertar um morrão.

Doidêra…!

Amaral Cavalcanti -2001