Encontrei Manoel de Barros numa brochura fininha, na estante “Poesia” da Livraria Escariz do Shopping Jardins, entre Ascenso Ferreira e Geir Campos. Este último, autor do melhor título da poesia de “protesto” que medrou por aqui nos anos de chumbo: “Faz Escuro, Mas Eu Canto”, grande título, espetacular! Ali, espremido entre dois velhos conhecidos, o livrinho de Manoel de Barros estava tão humilde e sufocado, que o levei a respirar, enquanto tomava o meu expresso com uma talhada de bolo de banana que a Escariz mos serve, da melhor qualidade.
Era o poeta que eu queria morder, faz tempo.

Aliás, tenho comprado poucos livros de poesia, desiludido com a fastidiosa repetição da prática poética nos anos 70, quando a glória era imitar os grandes poetas do modernismo como Manoel Bandeira, ou entregar-se ao circuito fechado do concretismo. Entre os poetas dos anos 70, alguns mereceram minha atenção: Torquato Neto, Wally Salomão, Jorge Mautner, Paulo Leminski, Alice Ruiz, Touchê e Regis Bonvicino, Chacal, Cacaso e Nicolas Behr, mas não posso afirmar que tenha encontrado neles em termos de oficina e novidade, algo que me entusiasmasse.

Meu entusiasmo ficou em João Cabral e suas simetrias de parede em construção, uma retidão insólita que devolveu à poesia sua função de argamassa entre a palavra e a pedra. Em Cabral, a palavra é enquadrada na engenharia do verso, coisa de prancheta doida que instiga a geometria – que a besteira da vida arredondada não precisa ser vista na poesia!
A poesia de João Cabral requer certos estuques.

Não comprei o Manoel de Barros porque custava 30 reais e eu estava desprevenido. O diabo me cobre essa avareza em caldeirões de piche. Li-o lá mesmo, mordendo no balcão o poeta Manoel de Barros a desconstruir paisagens, a renomear as criaturas de Deus como um jardineiro celeste, maravilhando.

Nasceu e se criou num mato grosso desses, aprendendo a conversar a natureza inteira. È o caso de se dizer que ajuntou sabença direitinho como nós nas glebas e quintais de calças curtas. Depois, o sacana juntou Paris com Macambira, Piaf com Curió…. Só lendo, para crer.

Está velho, mas não é nenhuma Cora Coralina – a vovó mineira dos baús de versos. Diz-se dele o Guimarães Rosa da poesia, digo eu que ele borda flores de chita no manto dos cruzados, um menestrel na feira com o caçuá de palavras e um fogo-pagô conversador no alforje. Pode-se encontra-lo em varandas da sua terra natal, discutindo o preço do jabá na bodega de Austeclino, com a cara sem vergonha de avô olímpico e certa mansidão bovina, o poeta tabaréu Manoel de Barros.
Corra, vá ler sua poesia!

Amaral Cavalcante – abril/2008