Coluna  Amaral Cavalcante 

 

Acometeu-me uma dor queimando por dentro da perna, manifesta quando estou de pé e aplacada quando deito, ou sento. Vai do encaixe do fêmur no osso pélvico até o fim da canela, detonando o meu restinho de elegância – esta postura mocoronga que parece encantar a uns poucos desavisados.

Assim, todo dolorido, enfrentei num coquetel elegante os piores desconfortos. Fui disfarçando a miserável dor porque um entrevado também tem direito ao glamour social.
De cara, tentei dizer a um colunista social o quanto adorava o cabelo chapinhado que ele agitava rebelde sobre a testa, mas a careta que saiu me atalhou a mentira. Um desastre. O semielogiado desconfiado da minha devoção gratuita, abanou com a esfuziante echarpe em seda dourada o meu bigode de caminhoneiro e saltitou dali, em busca de melhores papos.

Foi uma noite difícil. Derreado num pufe preto de providenciais rodinhas, mal conseguia dirigir mungangas ao lépido garçom que praticava uma espécie de modalidade olympica com a bandeja de wisque, sempre a cem metros, com barreiras, de mim. Comidinhas nem pensar. Estavam a quilômetros, numa disputada mesa de anáguas brancas, decorada com cravos de defunto e luzidias panelas inox. Inda pensei em reivindicar privilégios de idoso, mas vendo bem, na fila que se estendia por cinco voltas no salão, os meus sessenta anos seria pinto. Sinta o drama!

A querida cronista Sacuntala – quem melhor mistura tribos nos salões aracajuanos – espera de seus convidados agilidade confraterna e disponibilidade avestrusca para papinhos sociais tipo como vai, fulano, nunca mais nos vimos, parece até que moramos em São Paulo! E eu, tão preparado para esses fru-frus, aleijadamente indisponível. Ainda bem que consegui ao avistar o ex-governador Albano Franco, arregimentar energia para uma vênia regulamentar, agradecido pelo telefonema que o branquelo me concede, invariavelmente, no dia do meu aniversário:
– Amaraaaaal meus parabéééns! E o indefectível arremate: – Você é meu amigo!

Mas ando em busca de cura: o amigo Correinha, cuja danação se autoperdoa na metafísica, me receitou uma massagem holística que lhe deixou menino, algo que se constitui numa tourada psicossomática com uma senhora iluminada que lhe torce e retorce o corpo para lhe enxugar a alma.
Já outro amigo de barbas proféticas e olhinhos de bandido, vaticinou:
– É consequência da sua diabetes… circulação sanguínea… a perna vai secar… já cabe amputação… e me remeteu, flor da simpatia, aos inadiáveis cuidados terminais.

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