Coluna Amaral Cavalcante
No auge, lá pela década de cinquenta, conta-se que reunia a nata ao embalo dos foxtrote da pianista Maria Olívia e das guarânias do boêmio Antônio Teles. Senhoras de fina estirpe com seus vestidões em seda brocada tilintavam berloques na pista, torturadas pelo aperto nas cintas que lhes arrochavam as cinturas, moldando-lhes o corpinho “violão”.
Dançava-se, sim, mas com muito respeito e velada sonsidão. Afinal, os “picad’aço” mais proeminentes da cidade estavam ali cumprindo funções familiares com prazo combinado até as 11 horas, porque, depois disso, era no Cabaré Mira Mar que lhes esperava a esbórnia, a mesa reservada com putas novas trazidas de Ilhéus, ou mesmo de Jeremoabo. Também era lá que se podia assistir a um bailado tirado a Moulin Rouge e skets teatrais com muita sacanagem, montados por Tonho do Mira, o proprietário. Lá, a coisa era mais, digamos, cultural.
Quando o alcancei, já na década de sessenta, o “Cacique Chá” ainda era um templo. Rodeado de córrego artificial e bela vegetação, ostentava no frontispício da entrada e ao cimo das paredes internas, a arte portinaresca do pintor Jéner Augusto, lagartense que se mandara logo cedo em busca de merecida glória na Bahia. E não era só por isso: o bom gosto das mesas, o patamar do piano, os garçons de libré com elegantes mesuras e o respeitável dono, Seu Freitas, de pouca conversa e nenhum sorriso, sempre por trás da registradora – uma engenhoca em floreado art-déco – barulhenta e linda. Seu Freitas, uma figura! Contam que uma noite, saco cheio de esperar saideira de bêbado, trancou a registradora e entregou as chaves do bar aos reticentes fregueses: – “Quando vocês acabarem, fechem a casa”, e se foi resmungando.
Mas o Cacique já tinha perdido o charme antigo. Agora, suas atrações eram uma caprichada galinha-ao-molho-pardo servida com arroz soltinho e farofa, e a esfuziante diversidade de malucos e gente “quase bem” que o frequentava. Ao lado da mesa ocupada pelo pintor Françoá Hold, que lá gastava com raffinées de nobreza (em vinhos e zenebras importadas) o que ganhara com a venda de santos surrupiados de altares interioranos, estava a mesa cativa do MDB, onde só sentavam diplomados parlamentares e autoridades que tais. Eu mesmo nunca me cheguei, mas esticava o ouvido que não era besta! Muita esperteza ganhei ouvindo as perorações de Jaime Araújo, um respeitável advogado, ex-deputado, baixinho de careca luzidia, emedebista de primeira água e sergipano de lei.
Recentemente, passei no Cacique Chá.
Está acabado.