Procuro desesperadamente um óculos que me permita ler com algum conforto. Fui ao oculista – que agora se diz oftalmo – e dele fui levado a percorrer, de olho esbugalhado, dezenas de aparelhos invasivos de medição e aferimento, onde uma luzinha se postava ao longe, tão imprecisa quando a luz no fim do túnel aos moribundos. Lá longe, o aparelho me mostrava uma lua sangrenta e era eu quem tinha que dizer se ela estava cheia ou não. Dúvidas cruéis.

Afim de possuir um óculos legal, passei dois meses me submetendo a estas excentricidades. Ao final, fui remetido a uma especialista em prescrição de lentes que só podia me atender três meses depois, e olhe lá!

O velho óculos que eu continuava usando, além de não me permitir ler nada publicado abaixo do corpo 16, me pregava peças, o safado. Por maldade, media por menos os degraus da escada, criava fantasmas em volta de mim e exigia contorcionismos inusitados para que eu lesse os benfazejos comentários dos amigos às minhas postagens, nas redes sociais.

Esperei, estoicamente, a douta prescrição da especialista e, de pose dela, levei-a à ótica.
Não deu certo. Tenho, agora, um óculos multifocal que não me serve e outro, de perto, que me angustia.
O que estará acontecendo com a ciência oftalmológica que não consegue nos dar conforto? Acontece que o seu diagnóstico ainda depende da incerta resposta do paciente que, ao final das contas, se auto diagnostica, ao ter que responder ao médico se assim está bom ou se desta maneira está melhor!

– Não, a lente anterior estava boa mas passou uma nuvem e a imagem escorregou. O H da terceira linha tá rindo de mim e pontinho do i ficou piscando sinais extraterrestres…

Acaba que a responsabilidade pela aferição da nossa acuidade visual depende do que respondemos ao oftalmo naquele aflitivo interrogatório e isto remete a culpa por algo errado no diagnóstico a nós mesmos, os pacientes.

Não haverá um aparelho que diga, exatamente, do que precisamos?

Amaral Cavalcante

 

Maio de 2017