Felizes eram outros tempos em que podíamos ser ‘irresponsáveis’, mas com toda responsabilidade.

 

Dirigíamos antes dos 18 anos. Fazíamos farra. Quando a polícia, por qualquer bagunça, nos enquadrava, mentíamos e a única preocupação era que nada fosse dito aos nossos pais.

 

E estamos vivos para contar histórias como essa que vou relatar.

 

Tarde de sábado, eu garoto de 14 (catorze) anos completos ou incompletos. Já sabia dirigir – à época, aprendíamos com os irmãos mais velhos, logo aos onze anos de idade, facilitados pela flébil fiscalização ou, quando ela havia, pela então vigorante e perniciosa carta de alforria qualificada pela senha dística: “sou filho de …”. O desejo ardente de dirigir me fazia ansiar por algum pedido adulto para ir em algum lugar comprar algo. Minha mãe era possuidora de um Golzinho BX, apelidado de Gol Bola (porque, logo que lançado, quem o comprava ganhava uma bola, que, ressalte-se, era de péssima qualidade).

 

Sonhando com qualquer pedido dessa natureza, eis que minha mãe solicita que eu vá comprar refrigerante. Movido pela única vontade de satisfazer minha genitora, fiz o enorme sacrifício de ter de dirigir. Saí para comprar o tal refrigerante. Porém, não apenas para isso – também pelas regras da época, cunhadas pela juventude, a pena do favor deveria ser compensada com alguns instantes de rolé.

 

Para encurtar a conversa, passei na casa de todos os componentes da galera, apenas para me apresentar de carro; papo com um papo com outro, botando banca pra lá, banca pra cá, venceram-se 3 horas de relógio. Cheguei em casa de tardezinha.

 

Minha mãe, a tais alturas (recordo a ausência de celular naquela era), estava mais preocupada do que raivosa; ao me ver, nem sequer esboçou qualquer talo de cólera ou mágoa; estava, sim, no seu exercício de genitora preocupada, aliviada em ver o seu filho chegar. Nem sequer me perguntou pelo refrigerante – que eu trouxe, porém quente.

 

Aproveitando a deixa, e pendurado na falsa noção de que o ataque é a melhor defesa, eu, ao invés dela, passei a, mostrando amplo conhecimento da mecânica automotiva, proferir impropérios à minha mãezinha, chamando-a de descuidada, sem zelo, que o carro dela passou pouco de bater o motor – e olhe que ela nem sequer estava preocupada com minha demora, o que torna a minha desculpa, além de esfarrapada, desnecessária.

 

O diálogo, que tento reproduzir, foi, mais ou menos, assim:

– Mãe, você é louca?

– Não, filho. O que houve?

– Sabe por que eu demorei?

– Não, mas gostaria de saber.

– Passei todo esse tempo no posto de gasolina, pois seu carro quase bate o motor.

– Qual o motivo?

– Você não completou a água do radiador. Estava sem um pingo de água, e o motor esquentou; sorte que foi perto de um posto.

 

E ela, na sua tranquilidade de mãe, rematou:

– Meu filho, meu carro não tem radiador; ele é refrigerado a ar.

 

E eu concluí o papo:

– Sim, deixe essa conversa prá lá; você quer ou não quer o refrigerante?

 

Daí por diante, nunca mais menti para minha mãe.