Acabei de completar 57 anos no dia 30 de abril, e ganhei de presente das minhas mulheres Dona Cassia esposa, Erica, Tatiana, Tassia – filhas -, e a neta Hellen, dois presentes que adorei: um aparelho “Sonata”, que toca LPs, CDs e Mp3, além de gravar, em pendrive. Uma maravilha, pois tenho guardados algumas centenas de LPs de diversos artistas e gêneros musicais, inclusive, os meus, que gravei durante a minha vida artística, como cantor, como produtor. O outro presente é uma caixa JBL, pois elas sabem que gosto de ouvir em som de qualidade.
O primeiro LP que peguei para escutar foi o “Cajueiro dos Papagaios”, de 1986. O primeiro a gente nuca esquece. Foi muito especial participar do disco “Cajueiro dos Papagaios” – além de cantar minhas músicas ao lado do Paulo Lobo e Lula Ribeiro, tive a oportunidade de aprender a trabalhar em estúdio.
Passei mais de uma semana dentro do estúdio “Somax” em Recife, trabalhando com profissionais de muita qualidade e experiência. Os arranjos ficaram por conta do maestro “Tovinho” o Antônio Mariano, músico pernambucano, arranjador, técnico e produtor de primeira qualidade, que até hoje é referência. Músicos que viraram amigos, professores e colegas em outros trabalhos realizados por mim, em Recife.
Tudo começa ainda no ano de 1984, quando alguns artistas se juntam e criam um projeto chamado “ProDisco”. Não vou lembrar quem foi o criador, mas sei alguns nomes envolvidos: Alcides Melo, Ailton Cardoso, Irmão e Tonho Baixinho, o recém-criado grupo Cataluzes, Paulo Lobo, entre outros artistas, e entre os envolvidos estavam ainda José Américo (Sucupira) e o Luiz Eduardo Oliva.
Acompanhando de longe, observava a movimentação e torcia para que tudo desse super certo e chegassem a um denominador comum: a realização do projeto. Somos muito bons na criação e na montagem dos projetos, mas na realização sempre dava problema.
Pouco tempo antes do projeto “Produsco”, tínhamos participado de um outro momento que foi a tentativa de criação do Sindicato dos Músicos e não tínhamos conseguido, pois não chegávamos a esse tão almejado denominador comum. Quem sabe, outro dia, escrevo sobre isso e passo a minha visão sobre isso.
Como temia, o projeto não foi à frente, mas resultou em duas outras ideias: a gravação do primeiro disco do grupo Cataluzes “Viagem Cigana” e o projeto coletivo do disco “Cajueiro dos Papagaios”. O primeiro capitaneado pelo Luiz Eduardo Oliva e a Siomara Madureira. E o segundo, por mim, José Américo Leite (Sucupira) e Lula Ribeiro. Convidamos o Paulo Lobo para participar, e logo no início da produção recebemos o apoio do Luciano Nascimento.
Esse apoio virou um patrocínio importante e viabilizou a realização do projeto. Esse projeto foi o primeiro a ser financiado totalmente pela iniciativa privada. A empresa era a “Cocil Dados”, uma das primeiras empresas de informática do estado, de propriedade do Luciano Nascimento.
Trabalhamos muito, eu o Lula e o Sucupira na construção do disco e ficou acertado que cada um dos artistas envolvidos gravaria três canções e faríamos uma homenagem ao artista que era, para os três, referência. Esse artista era o Alcides Melo e a música seria Bolero Parabelo.
Escolhi três canções em parceria: “Gênese” com o Alex Pinheiro (a nossa terceira composição), “Candura” com Genival Nunes e Gina Mainard, e “Magia” com o Jorge Lins.
O Lula Ribeiro escolheu as Canções: “Faz de Conta” e “Dom” – músicas dele e do Bobô Cruz, e “Brejeira” com o Jorge Lins.
O Paulo Lobo gravou: “Por que você demora tanto”, “Nós dois não tínhamos nada” e “Malha de bali”, todas composições dele mesmo.
O Cajueiro dos Papagaios foi um marco na música sergipana, o primeiro LP a ser financiado pela iniciativa privada, com três artistas da nova safra da música sergipana, com excelente qualidade sonora e artística para a época. As canções demostram os momentos que cada compositor e intérprete vivam, todos da mesma geração, com influências musicais diversas e experiências diferentes.
Os mais parecidos eram eu e o Lula, pois estudávamos juntos desde o primário e participamos juntos dos corais da escola “Sagrado Coração de Jesus”, mas tínhamos uma vivencia musical diferente.
Eu estudara no conservatório de música com o professor João Pires Argolo, e comecei a tocar mais cedo, aos 9 anos de idade. Comecei a compor muito cedo e a participar de Festival de Música, além de ter tocado em igrejas e bandas.
O Lula por sua vez gostava de cantar e tocava escaleta, um teclado de sopro. Sendo um autodidata, aprendeu a tocar violão e logo depois recebeu aula com o grande professor “Henrique Sousa”, com seu método “rápido e eficiente”, que também tive oportunidade de estudar.
O Paulinho era o mais velho e mais experiente, além de contar com toda a admiração e torcida da classe artística e intelectual da cidade.
Paulo Lobo tinha um estilo definido, meio tropicalista, meio bossa novista, com qualidade de letras e melodias trabalhadas numa batida intimista do seu violão.
Já o Lula, na época do disco, buscava um caminho musical, fazia xotes, canções e pop. Depois do Cajueiros, trilha uma linha tropicalista de canções e uma música universal, da mistura do Rio com Aracaju.
Já eu, sempre misturei, desde os idos do conservatório, tocando clássico e jovem guarda, ia de Villa-Lobos a Roberto e Erasmo Carlos, nunca tive uma preocupação de estilo ou linha de trabalho musical.
Isso nunca me fez diferente de nada ou de ninguém, mas sempre respeitei o que queria e o que gostava de fazer, então, podiam ser canções, xotes, baiões, reggae ou outro estilo. Se eu gostasse, estava dentro. O que mais me preocupava era a qualidade musical e sonora, além da mensagem passada para quem vai ouvir, pois fazemos músicas para as pessoas.
Tenho orgulho do “Cajueiro dos Papagaios”, de ter participado dessa empreitada, um disco que não foi só de Irineu, Lula e Paulinho, um disco de Sucupira, Luciano Nascimento, Jorge Lins, Alcosa, Tovinho, Denys Leão, Genival Nunes, Bobô Cruz, Nailson Menezes, Alcides Melo, Ida Brito, e tantos outros que contribuíram para a sua realização.
Ouvindo o “Cajueiro dos Papagaios”, sinto o cheiro de Aracaju dos anos oitenta, lembro de cada momento, da gravação em Recife, dos lançamentos em Aracaju no centro de turismo e no circo Amoras e Amores, além dos shows com o Lula em Maceió, Rio de Janeiro, Minas, para divulgar o disco – cheiro de ousadia e persistência.
Trinta anos depois, tenho a certeza que fizemos o melhor, levando em conto a condição técnica, artística e musical. Um trabalho primoroso, uma bela capa do Alcosa, com músicas e arranjos modernos e legais que representava cada um dos três artistas envolvidos no trabalho.
O disco “Cajueiro dos Papagaios” foi uma homenagem a Aracaju e um presente ao público, que teve oportunidade de escutá-lo. Um disco que estabeleceu o caminho de cada um dos envolvidos, um trabalho que ficou na história da música sergipana.