O nosso país herdou diversas culturas do grande continente africano. A principal delas é, sem dúvida, o samba. Engana-se quem pensa que o samba pode morrer. Pois, a cada momento, surgem vozes traduzindo a essência do velho samba. Novas vozes femininas nascem para dar continuidade à esta preciosidade vinda do continente-mãe. Vozes ainda pouco ouvidas pelo chamado grande público e que buscam atenção e um lugar ao sol no cada vez mais populoso país das cantoras.

Em 2009, fui procurado pelo Nino Karvan, no meu estúdio Capitania do Som. Ele queria mixar um cd, pois estava produzindo uma nova cantora. Acertamos o serviço – que foi realizado a contento. No dia do pagamento da mixagem, conheci a cantora e sua mãe. A cantora era a Raquel Delmondes. E a mãe, a produtora Executiva Telma Delmontes. Raquel é uma jovem muito bonita e com uma bela voz de locutora. Este era o seu primeiro disco. “Sambando Bem” foi lançado em 2010, um trabalho de samba com uma vertente jazzística.

Alguns dias depois, recebi na minha casa a Dona Telma, me solicitando uma opinião. Ela queria saber qual seria a música de trabalho do cd. Coloquei que ela tinha produtor, arranjador e que na verdade não tinha participado nem da mixagem, portando não poderia dá uma opinião. Ela insistiu e disse que outras pessoas já tinham sugerido, mas que ela queria um maior número de opiniões. Ela saiu de lá com a minha promessa de ouvir o trabalho. Como prometido, ouvi atentamente as canções, no Capitania do Som, durante uma tarde inteira e sugeri a música “Sim” do Paulo Lobo, como o carro chefe do cd.

De tanto ouvir o cd fique com uma pulga atrás da orelha e uma pergunta. De onde o Nino, artista experiente, tinha tirado a ideia de ser Raquel uma cantora de Samba? Coloquei as músicas num cd e fiquei ouvindo no meu carro e sempre que podia. Passei dias analisando, até que achei de onde veio a ideia. Bom, mais fácil seria se eu perguntasse ao Nino, coisa que não fiz até hoje (rsrs). O Nino tinha descoberto uma voz, um canto negro e cru, um canto africano, um canto que precisava ser mostrado e trabalhado um canto de seguidora de Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara, um canto Quelé.

“Tem muita macumba bonita” dizia Clementina e essa macumba é a voz da Raquel, e agora com esse segundo cd, provo para mim mesmo que eu tinha razão.

A direção musical e os arranjos das canções são do Marcus Ferrer, violonista carioca que apostou no samba de terreiro, um samba regional, onde o violão de sete cordas, o cavaquinho e as percussões formam a base, deixando a voz como tradutora da essência das canções. Apostou e acertou.

A Raquel e o Marcus priorizaram os compositores sergipanos e abrem o CD com João Melo, um mestre, com a canção “Felicidade”, seguida de “Quem Cantar Meu Samba” da dupla O. Lacerda e Frazão e “Eu Mais que Eu” de Gilton Lobo. E tem participação do Moça Só. “Matreiro” é a quarta canção da Joésia Ramos e Maria Cristina Gama. O Disco conta ainda com canções do Mingo Santana e João Rodrigues; “Doce Recordação”, “O Amor é Narciso Demais” e “Eu Sou Brasil” de Ismar Barreto; “Amor Dissonante” e “Femenaflor” de Sérgio Botto, Guilherme Godoy e Sérgio Natureza; “Ulisses” de Márcio de Dona Litinha; “Antagônico” de Rubens Lisboa; e “Meu Senso”, de Lina Sousa. O CD foi gravado e mixado no Estúdio Caranguejo Record, por Anselmo Pereira, e masterizado na Classic Master (SP), por Carlos Freitas. E o lindo projeto gráfico é de Germana Araújo.

“Vem cantar meu samba” é um convite para você descobri a Raquel Delmondes.

Não sei explicar se a voz da Raquel não pertence a seu corpo, ou o corpo não pertence a sua voz, talvez os dois, corpo e voz se completem com a alma e pertençam à ancestralidade do canto negro, do canto da mãe África.