Sou um sujeito amigo dos meus amigos, mas sou chato demais quando o assunto é música. Devo ter saído à minha bisavó, Noemi Brandão, que sempre foi minha conselheira filosófica da vida prática. E com seus ensinamentos, vivo aprendendo com cada um que passa pela minha vida.
Uma dessas pessoas é um cabra que conheci no Studio Danças, escola de dança da minha querida amiga Lu Spinelli, bailarina, coreografa, produtora e responsável pela mudança e qualidade da dança em Sergipe.
Minhas filhas sempre estudaram com a Lú no Studio Danças e lá conheci, rapidamente, o Joaquim Antônio, pois ele também tinha uma filha que estudava lá, a pequena Cecília.
O Joaquim era o próprio modelo do cantor de viola, um seguidor de Elomar, Vital e Xangai. Bolsa de couro pendurada, uma bata, calça de algodão, sapatilha de couro e chapéu de aba curta, além de sindicalista, um ativista político do INSS.
Joaquim nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, e veio para Aracaju na década de 80, junto com o pai, seu Raimundo, que realizava trabalhos de topografia em Rosário do Catete e Carmópolis. Foi seu Raimundo que despertou, em Joaquim, o gosto pela música.
Nunca tinha visto o Joaquim em show e nem conhecia a música autoral dele. Um dia, apareceu no “Capitania do Som” (Estúdio de Gravação que montei em 1999, para produzir e gravar discos de artistas, até 2010), o excelente cantor e compositor Claudio Barreto, que estava produzindo o seu CD comigo. Ele trazia, a tiracolo, o Joaquim Antônio para ver orçamento da gravação do seu primeiro trabalho autoral.
Conversamos e acertamos todos os detalhes do estúdio. Ele pedia para que eu acompanhasse as primeiras gravações pois, o Claudio tinha me elogiado muito, e ele queria a minha opinião. No dia acertado, Joaquim chegou com o percussionista Tom Toy, um velho conhecido e um sanfoneiro amigo do Joaquim, que tocava no grupo de Reisado famoso do nosso estado.
Foi uma tarde de muito trabalho e quase nenhum resultado, pois eles não se achavam. O sanfoneiro não tinha experiência com harmonias e a música do Joaquim tinha muitos dissonantes (acordes que ocorrem para dar um efeito de embelezamento e melhor acompanhar a melodia, quando acrescentamos qualquer outra nota a um acorde que não seja suas notas básicas), difícil para quem tocava, basicamente, no grupo de reisado, e o nosso Joaquim tinha dificuldades com o metrônomo (relógio que mede o tempo, o andamento musical. Produzindo pulsos de duração regular, ele pode ser utilizado para fins de estudo ou interpretação musical), o que atrapalhou bastante o trabalho do Ton Toy.
Chamei o Joaquim e solicitei que ele encerrasse a gravação e que não cobraríamos as horas gastas. Ele topou e finalizamos o período de gravação. Conversamos muito e traçamos um plano de trabalho, findei assim me metendo mais do que pretendia na produção do disco do Joaquim. Logo de cara, descobri como o Joaquim é determinado e boa gente. Passamos uns quinze dias sem notícias, até que ele me ligou e marcou uma outra conversa.
Ele trouxe para me mostrar as músicas que ele queria gravar e me disse: estão todas dentro do metrônomo, como você pediu. O danado tinha treinado muito com o aparelho que eu tinha emprestado, estava pronto para gravar suas bases sem necessariamente precisar de outros músicos.
Aproveitamos na mesma tarde e gravamos todas as músicas de violão e voz e deixamos tudo pronto para a colocação dos outros instrumentos musicais que fariam parte da música, dentro dos arranjos pensados pelo Joaquim.
Gravamos o disco do Joaquim, um disco autoral, legal, mas que não foi lançado no mercado, embora eu ache que esse disco mudou toda a concepção de música e de produção do Joaquim Antônio.
Joaquim tinha um sonho: ele sempre me falava do seu grupo de forró e gostaria de gravar um bom trabalho, pois acreditava no potencial comercial do grupo. O projeto era o “Casaca de Couro”, um grupo que se apresentava nos festejos juninos. Paralelamente à gravação do seu CD autoral, ele gravou também em outro estúdio o primeiro trabalho do “Casaca de Couro” e de lá para cá só cresceu e vem se destacando no cenário da música nordestina.
Formada em março de 1998, nascida sob a influência das pesquisas sobre a maestria de Jackson do Pandeiro, de Luiz Gonzaga e de seus pares, debruça-se, há mais de uma década, sobre a tarefa de construir e manter uma identidade musical nordestina, uma obstinação do Joaquim Antônio.
Em seu CD autoral “Canta, Casaca de Couro”, que foi lançado em maio de 2016 com a presença do Genival Lacerda, é a prova do amadurecimento do grupo e do seu idealizador.
Como bem disse o poeta e compositor Rui de Morais e Silva e levada aos sete cantos por Jackson do Pandeiro:
Eu nunca vi desafio
Mais bonito, mais iguá
Duas casacas de couro
Quando começa a cantar
Parece dois violeiros
Num galope à beira-mar.
Sua determinação, Talento e inteligência vem lhe rendendo muitas vitórias, da viola à sanfona que ele aprendeu a tocar para acompanhar o Casaca, do canto à produção, pois se especializou em divulgar e vender seu produto, da amizade à fidelidade, da qual ele não abre mão, Joaquim Antônio e o Casaca de Couro são, hoje, dois grandes ícones do cenário musical sergipano e além-fronteiras.