Há pouco mais de dez anos eu ingressei no curso de mestrado em Dança na Universidade Federal da Bahia. Lá, logo no início das aulas, havia intensa divulgação de diversos eventos que celebravam o mês da dança. O referido mês é abril, porque nele recai o dia internacional da dança (29 de abril), data do nascimento de Noverre, mestre que lutou para que a dança fosse tratada como uma arte expressiva, singular e autônoma.

Esse dia é uma efeméride nova, criado pela Unesco em 1982. Até o final da década passada pouco se falava dele, especialmente em Aracaju onde pouquíssimas celebrações para esta data acontecem, com exceção as que sempre foram produzidas no passado pela saudosa Lú Spineli. Na Bahia ele é tão celebrado e há tantos eventos que foi criado, não oficialmente, o mês com um calendário recheado e produzido por diferentes pessoas e instituições, desde espetáculos, workshops, aulas abertas e rodas de debates.

Por mais simplória que seja a comemoração da data, ela serve para criar visibilidade a essa arte tão importante que celebra a existência de nosso instrumento de ação no mundo, nosso corpo. Com ela é possível lembrar de sua importância para a cultura, discutir e incentivar melhores políticas públicas para a área, defender suas demandas, criar de fato um espaço de mobilização em torno do assunto. O dia só ganha significado e sentido à medida em que outras ações façam com que a dança apareça e esteja presente no cotidiano das pessoas durante todo o ano, e não somente dos artistas dançantes.

Para mim, uma das ações mais importantes é a reflexiva. Me refiro ao pensamento: “o que faremos até a data do próximo ano para contribuir e melhorar a situação da área?” Aí quando penso nisso e me recordo da minha história profissional sinto que, enquanto área, avançamos consideravelmente, mas muito ainda precisa ser feito, pois há uma estrada longa a ser percorrida.

O Sistema Nacional de Cultura contempla conquistas na área da dança que devem ser resguardadas em cada plano estadual. Em Minas Gerais, por exemplo, diversas companhias e escolas demonstram extraordinária resistência e resultados notáveis. No Rio de Janeiro há o maior festival de dança profissional da país: o Panorama realiza curadoria exemplar na seleção dos trabalhos e contempla artistas reconhecidos e iniciantes.

No Conselho Estadual de Cultura há um grande esforço para transformar o cenário que envolve a cultura de nosso Estado. Colaboramos com o Plano Estadual de Cultura, criamos princípios para democratizar o acesso a recursos e para avaliar propostas e projetos de forma meritocrática, redigimos a Lei dos Mestres que valoriza os mestres da cultura popular. Tudo isso são etapas que fazem o caminho, e é importante seguir caminhando.

A nível social, infelizmente, ainda enfrentamos críticas de que a dança é um devaneio fútil de pessoas levianas, quando o que ocorre, muito pelo contrário, é a coragem do uso do próprio ser para expressar uma idéia muitas vezes inesperada, disruptiva e carregada de informações culturais valiosas. Deve-se lembrar que os artistas são as pessoas capazes de propor intervenções inesperadas que alteram a forma como concebemos a nossa própria sociedade. Lembro que Marie Taglioni foi a primeira bailarina a usar sapatilhas de pontas, algo impensável para o ballet da época; que Nijinsky teve sua Sagração da Primavera vaiada em sua estréia e aplaudida na contemporaneidade;  que Carmen Amaya vem de um gueto periférico de Andaluzia para ser aplaudida internacionalmente por sua interpretação cigana e apaixona do Flamenco; que Farida Fahmi conquista o direito de ser bailarina e mulher reconhecida no Egito, ao dançar em teatros para famílias em vez de apenas em clubes noturnos frequentados por público masculino. Estes são apenas alguns notórios exemplos.

Por outro lado, há aquelas pessoas que admiram essa arte mas se acham incapazes de praticá-la. Há pessoas que entendem que só pode dançar quem possui um corpo jovem, belo e esbelto. Todo copo é capaz de dançar! A dança integra benefícios a seu corpo e lhe ajuda a se conectar mais a ele e a aceitá-lo. Para essas pessoas meu recado é “dance, se liberte, seja feliz!” Feliz Dia Internacional da Dança!

 

Por Cecilia Cavalcante
Mestre em Dança, bailarina, coreógrafa e professora de dança,
diretora do Portal Hanna Belly, membro titular do Conselho Estadual de Cultura.

* Publicado originalmente no Jornal da Cidade, Aracaju-SE, 27 a 29 de abril de 2019 – Ano XLVIII – N. 13.880, Caderno B6