Já ouvi de algumas pessoas, ao elogiar meu trabalho, as seguintes frases:
– Você trabalha muito bem a cultura popular!

– Neu você é bom com os grupos folclóricos!

– Para ser secretário de estado tem que ter mais visão de gestão e não só da cultura popular, não é?

E por aí vai. Imagina então quando o comentário não é elogio, e sim crítica ou desdém de quem nunca construiu nada para o setor e não aprendeu a respeitar o trabalho e as pessoas. Se é verdade que sou bom com a cultura popular, fico muito satisfeito, pois a cultura popular vem da nossa identidade e é de suma importância para Sergipe. Duvida? Então vejamos.

O nosso Estado, proporcionalmente, tem a maior quantidade de grupos em atividade e a maior diversidade do país. Os principais grupos de teatro do Estado, que se destacam nacionalmente, trabalham com os temas da cultura popular. Grupos e artistas sergipanos da música, consagrados no país, têm no seu repertório a nossa cultura popular. Temos o melhor largo com monumentos em homenagem a cultura popular do país e o maior encontro de cultura popular acontece aqui, em Laranjeiras. Sendo assim, se sou o melhor, já fico muito contente.

Fui secretário de cultura de Laranjeiras a convite de Ione Sobral, uma prefeita com visão ampliada, conhecedora do potencial do seu município, e que acredita que Laranjeiras só voltará a se desenvolver quando investir na cultura. Por lá permaneci durante cinco anos, virei cidadão laranjeirense e levo, para onde for, a cidade e seu povo no coração e na mente.

Trabalhei muito pela cultura popular, sim, e continuo trabalhando. Em Laranjeiras a maior riqueza da cidade é seu patrimônio material e imaterial, e não falo só pela tradição ou lúdica que todo mundo acha lindo, mas pela economia e sustentabilidade que este patrimônio representa para o município.

A cidade e seu povo respiram cultura, e o gestor que tiver um pouquinho de inteligência e boa vontade, perceberá isso imediatamente ao assumir, jogando todas as cartas nesse investimento, como a prefeita Ione fez.

Não me arrependo de nada que deixamos em Laranjeiras. Construímos a base de políticas públicas como o Sistema Municipal de Cultura, o Plano Municipal com estratégia para dez anos, o Conselho Municipal, o Fundo de Cultura, o cadastro dos grupos, conferências, política de editais e a Lei dos Mestres, sendo o único município brasileiro a possuí-la. Também criamos técnicas com rodas de conversa que serviram de modelo para o Ministério da Cultura utilizar em outros municípios brasileiros. Foi um grande aprendizado, uma universidade, um complemento importante de tudo que já tinha aprendido nos meus mais de 30 anos de vida na cultura.

Em Laranjeiras entendi que as políticas públicas da cultura são as mais importantes para qualquer população, pois se transversalizam por todos os setores sendo protagonista por onde passa, seja na educação, saúde, segurança, meio ambiente e principalmente no turismo.

Assim, faz-se necessário pensar cultura pelo víeis da economia. Os estudos econômicos da cultura não são nenhuma novidade para quem trabalha e formula políticas públicas para o setor. Já no início do século XX, economistas norte-americanos começaram a indagar sobre os processos de criação, produção, distribuição e consumo de bens e serviços culturais. A partir de então, foram realizados estudos em diversas partes do mundo, o processo de investigação constatou que a cultura não era só rentável para o setor privado, mas também para o conjunto de suas atividades, produtos e serviços, entendendo que a cultura representava uma fonte de recursos para as próprias finanças do Estado.

Em Sergipe, sobretudo nos municípios culturalmente mais representativos, muitos gestores não levam em conta ou não acham importante o setor produtivo da cultura, e tem alguns que ainda falam de cultura de mercado sem entender do assunto.

Na cultura de mercado a tentação de transformar ricas manifestações culturais em commodities baratos, bolinadas por profissionais de maneira vil e linear, vão reproduzir um conjunto de regras que só interessam à manutenção de um sistema perverso de poder. Esse sistema se sustenta pelo domínio dos meios de produção e distribuição de conteúdo cultural e nessa condição o consumo se consolida como a forma de expressão mais forte e presente, principalmente nas grandes cidades. A própria arte passa a ser ressignificada e vista como meio de produção e objeto de consumo, correndo o risco de perder a capacidade de revelar e traduzir a alma humana, suas contradições e riscos. O que interessa é sempre o nome da atração e não toda tradição e identidade cultural do nosso povo.

Muitas são as falhas do mercado cultural, e devem-se à existência de gargalos de financiamento à produção, de concentração da distribuição e das dificuldades de acesso. Por isso, há a necessidade de criarmos instrumentos de incentivo e formação, além da participação do setor privado, abrindo os caminhos da política de desenvolvimento. Precisamos de financiamento urgente. Em um Estado que falar de lei de incentivo é tratada como uma afronta ou doença contagiosa, e uma Capital que tem a segunda lei de incentivo criada no país, abandonada pelo próprio criador, as dificuldades de gestão aumenta significantemente.

A atividade cultural pede agentes preparados e dispostos a pensar. Precisamos de escolas de formação técnica, de profissionais e gestores capacitados que estudem as possibilidades mais complexas, múltiplas e coerentes com as questões colocadas pela sociedade. Esses agentes terão que formatar uma nova agenda política para lidar com os desafios do mundo atual, articular a transversalidade nos setores governamentais, sociedade e mercado para trabalharem alinhados em torno dessa agenda. Esses agentes têm o papel de desvendar a cultura como ponto de partida, meio de construção e eixo central dos novos paradigmas de desenvolvimento.

Os gestores culturais precisam estar muito atentos e participar ativamente do mercado da cultura, mas sem estar a ele subordinado. Essa é uma das questões éticas mais difíceis ligadas ao cotidiano dos gestores culturais no nosso Estado.

Um dia, ouvir dizer que “a cultura importa”. Karl Marx disse que se a história do desenvolvimento econômico nos ensina alguma coisa é que quase toda diferença está na cultura.

Marx, propunha o papel de centralidade da cultura para a compreensão de qualquer tipo de desenvolvimento, mas, fundamentalmente, a do econômico. Devemos pensar cultura como um farol voltado o seu caminho de luz para as novas formas de expressão e convivência, para podermos construir, a partir do conhecimento disponível, as soluções para o fazer cultural. Construção tão necessária nesse nosso Estado tão rico de diversidade cultural.

Como não criamos uma régua que medisse a imensurável riqueza que a cultura e sua produção simbólica faz, ela mesma provou que é mais promissora do que a produção material dessa sociedade consumista.

Ainda que a economia apropria-se de tudo, com seu apetite em medir a existência sob as sólidas bases dos números, a cultura é quem determina qual é esta existência que se pode traduzir, inclusive na régua do imensurável.

 

Neu Fontes

Músico, Cantor, Publicitário, Gestor Cultural

Presidente do Instituto Hélvio Dórea Maciel Silva