Ganhei, em 1975, como presente pelos meus 15 anos, a oportunidade de ir ao show “Falso Brilhante”, com Elis Regina, cantora de quem eu gostava muito, mas nunca tinha assistido ao vivo.

Lembrava que ela era baixinha, porém, de repente, entra no palco uma mulher enorme, de peruca loira e vestido cor-de-rosa. Apareceu cantando “Fascinação”, “Arrastão” e “Como nossos Pais” de uma forma impactante, apaixonante e singular.

Parecia ser outra pessoa, uma entidade espiritual ou, quem sabe, uma extraterrestre. Até hoje consigo escutar aquela voz afinadíssima bem perto do meu ouvido e do meu coração. Um furacão de pura energia e talento, jogando na cara da gente tudo que ela sentia e o que na música precisava ser dito. E foi naquele momento que defini que faria da arte a minha profissão.

No começo dos anos oitenta, perdemos Elis e achei que não mais sentiria algo parecido, muito menos igual. Busquei musas da música mundial, como a cantora americana Billy Holyday, a francesa Edith Piaff, Maria Betânia, Gal Costa, Ângela Maria; bailarinas como a russa Anna Pavlova, a espanhola Lola Flores e a brasileira Ana Botafogo; e atrizes como a italiana Sophia Loren, a americana Jane Fonda ou a nossa Bruna Lombardi, e anos depois, descubro que essa singularidade se renovava ou a entidade extraterrestre, ou sei lá o quê, reaparecia e incorporava em outro corpo.

Encontrei em começo de carreira uma cantora que ouvi no bar Tropeiro a convite de um amigo, era a itabaianense Amorosa, um furacão, uma inundação sem controle de talento. No palco com microfone na mão ela transferia energia do seu universo para nós pobre mortais que, anestesiados, assistíamos a essa escandalosa mulher.

Mais não devemos limitar o seu fazer artístico a seu canto, pois tudo que vinha de dentro dela e naquele momento é pura e cristalina verdade, ela traduz e facilita o total entendimento do que a música diz, ela é uma atriz que puxa do fundo da sua alma uma intepretação rara. Sentimento renovado mais não igual, segui minha busca.

Passou-se os anos e vi uma menina cantando no palco do circo Amoras e Amores, espaço de cultura e arte que Jorge Lins pensou e juntos realizamos.

Ela brincava no karaokê e terminei por reviver o mesmo sentimento que eu tivera anos antes. Senti que aquela menina tinha algo que me fascinava. Fiquei ali absorto, ouvindo uma criança cantando como gente grande e a cada nota, a cada movimento, via aquela menina se transformando em uma grande intérprete da música brasileira.

Gena Karla era o nome dela, filha de uma prima do meu pai e, com isso, da família. Pude acompanhar e produzir alguns momentos dessa cantora maravilhosa que me emocionou inúmeras vezes.

Ela virou um sonho profissional e pessoal, um desejo de que todos pudessem sentir o mesmo.

Sua voz me fazia levitar, sua forma delicada e decidida de cantar as palavras, era linda, perfeita no palco, ninguém conseguia ficar indiferente, paixão a primeira canção, mais como gênio incontrolável, só fazia o que queria e, não conseguiu mostrar para o mundo dos homens o que eu não cansava de escutar.

Infelizmente, meu sonho se foi quando ela precocemente partiu aos 29 anos, sem que o Brasil pudesse conhecer aquela maravilha. Perdi algumas referências. Afastei-me dos palcos, segui a gestão pública, sem esperança de ver ressurgir esse sentimento inexplicável. Conheci inúmeras cantoras e cantores do mais alto nível, artistas que chegaram bem próximo do que senti nos meus 15 anos.

Mas a verdade é que fui perdendo a esperança de viver de novo aquele sentimento naquela intensidade.

 

Nessas andanças pela gestão pública, fui convidado e aceitei dirigir o Teatro Tobias Barreto. Em um dia de trabalho como tantos que já vivi, apareceu uma jovem, apresentou-se e disse que estava vindo em nome de Nery, um grande cantor compositor e meu amigo.

Atendi com presteza e educação, e consegui resolver sua reivindicação: uma pauta para o espetáculo de dança do grupo dela que seria em um meio de semana de dezembro. O grupo ensaiaria pela manhã e se apresentaria à noite. Contrato assinado, tudo resolvido.

Em uma manhã, do dia 08 de dezembro de 2003, uma das funcionárias do Teatro entrou na minha sala e disse que o grupo que estava no palco solicitava a minha presença. Chegando ao palco, deparei-me com a mesma jovem dançando. Ela estava diferente: maior, mais bonita, cheia de luz. E aquela emoção que estava guardada em mim ressurgiu com muita energia.

Aquela menina que estivera comigo no gabinete definitivamente não era a mulher que estava dançando ali no palco. Era Cecília Cavalcante, muito jovem ainda, mas com muito talento e segurança, presença de palco ímpar. Seus movimentos transbordavam energia e magia. Uma sensação revivida que eu só achava que poderia encontrar através da música!

Hoje, intuo que isso pertence ao campo espiritual e, quem sabe, não é uma cigana que me aparece de quando em quanto para alimentar minha alma de beleza, força e fé.