A maior chance de uma ideia persistir é quando ela vira um ideal para muitos. Essa ideia pode ser desqualificada, desacreditada, agredida, ameaçada, até valorizada midiaticamente para ser utilizada como boi de piranha para outros fins, mas ela está lá, resistindo por 44 anos. De onde vem essa resistência? Acho eu desde menino quando meu tio me levava para ver de perto essa resistência, por que essa ideia foi pensado e gestado na identidade de um povo, na sua mais nobre riqueza que é a cultura.

Tinha 10 anos quando ouvi meu tio José Calazans falar de uma jovem professora que estava pesquisando sobre as Taieiras de Laranjeiras, uma atividade cultural que, até então, apareciam nos livros e escritas de grandes nomes da cultura popular, como Câmara Cascudo e Mário de Andrade, como extintas no Brasil. A Jovem professora era a Beatriz Góis Dantas, que contou com ajuda do seu aluno, o laranjeirense Paulo Leite, para ser apresentada à Taieira de Bilina. A professora Beatriz desmente o senso comum e mostra ao país a riqueza de Bilina, seu Nagô e sua Taieira. Como tudo na vida se conecta, essa foi a primeira semente plantada para a criação de um movimento de resistência.

Em 1973 o prefeito de Laranjeiras era o jovem José Monteiro Sobral, casado com Ione Sobral, que resolve fazer uma quermesse com o intuito de angariar fundos para realizar uma festa de natal para a população mais pobre da cidade, pois naquela época a prefeitura não tinha nenhuma condição financeira para tal. Era o mês de outubro, época dos Lambe Sujos e Caboclinho e, aproveitando a ocasião, a primeira dama convida os grupos a participarem da quermesse. Também são chamadas para o evento a Bailarina Lu Spinelli, para apresentar com seu grupo um espetáculo de dança; a escritora e pesquisadora Aglaê Fontes, para lançar seu primeiro livro; e a musicista laranjeirense Edmunda Lobão Linhares, para um concerto no famoso órgão de tubo da Igreja Matriz, além de contar com o apoio de Bilina. A senhora Ione vai mais longe, ela dá um nome a quermesse: “Festa da Cultura’. A conexão se fortalece se tornando mais uma importante semente plantada, dessa vez com muito adubo e bastante água.

A festa foi tão boa que em 1975 o prefeito pediu apoio à Secretaria de Estado da Educação administrada na época por João…. que passou a solicitação ao departamento de cultura que era dirigida por Luiz Antônio Barreto. Conhecedor de toda nossa cultura, Luiz Antônio  acompanhava os trabalhos da professora Beatriz Góes e era amigo de Bráulio do Nascimento, presidente do Centro Nacional do Folclore, de José Calazans Brandão da Silva, Roberto Benjamim, Jackson da Silva Lima, Aglaé D’avila Fontes, Fernando Soutelo, Paulo Carvalho Neto, Cassia Frade, Theo Brandão entre outro importantes nomes do Folclore Brasileiro. Juntos eles criam o I Encontro Cultural de Laranjeiras, em 1976, assim a conexão se fecha e o maior movimento de resistência dessa cultura vira realidade.

Apoiada pela então Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, Laranjeiras realizou um conjunto de ações, em torno do I Encontro Cultural, como a restauração da velha Casa de Laranjeiras e instalação do Museu Afro Brasileiro de Sergipe, iniciando uma série de restauros que devolveu a cidade em monumentos  e espaços sociais, como o Mercado da Cidade, o Trapiche, a Casa da Câmara, bem como recuperou ruas de calçamento de pedra, enquanto pavimentou outras, tornando melhor o piso da cidade.

Com o Encontro Cultural de Laranjeiras a memória cultural de Sergipe e seus fazedores foram beneficiados, foram gravados, pela primeira vez, os sons dos grupos folclóricos e editados discos, livros, cadernos de folclore, dando visibilidade aos grupos e seus mestres. Em todos esses anos passaram por aqui os mais importantes pesquisadores, escritores e folcloristas do Brasil, Portugal e Espanha.

Minha bisavó sempre me ensinou a conhecer e valorizar quem faz, pois somos aprendizes, continuadores e melhoradores do passado, sou Calazans com orgulho de ser sobrinho e afilhado e suas histórias de canudos. Sou Beatriz e sua persistência de se enturmar para registrar, deixando e salvando uma cultura para todos nós. Sou Aglaé e sua lúdica poderosa do fazer e representar, verdade plena da cultura. Sou meu amigo e professor Luiz Antônio Barreto, teimoso, competente e avido na defesa da memória e tradição. Sou Jackson da Silva Lima na paixão que vence a timidez e abraça a cultura de corpo e alma. Sou os Mestres Oscar, Bilina, Lourdes, Lalinha, Zé Candunga, Sales, Deca, Ze Rolinha, Maria José, Nadir, Efigênia e João Sapateiro.

Sou Cacumbi, Chegança e São Gonçalo,

Sou Pareia, sou Coco pisando no chão

Caboclinho Lambe Sujo e Batalhão

Reisado, Guerreiro e Capoeira

Sou a beleza da tradição,

sou resistência, sou o Encontro Cultural de Laranjeiras.