Me lembro de participar, ainda no Jardim da Infância Augusto Maynard, com a professora Terezinha de uma peça infantil em comemoração à formatura do ABC. Não sei bem o que fazia, mas é muito presente na minha memória o palco e a plateia. 

No primário, fui escolhido junto com Lula Ribeiro para cantar no coro da escola. O palco e a plateia aumentaram de tamanho, uma lembrança muito bacana… Cantávamos músicas das missas, de Roberto Carlos, entre outros da Jovem Guarda. 

Uma das lembranças mais fortes é a primeira comunhão do Instituto Coração de Jesus, com as professoras Maria José e Dorinha. Os meninos e meninas entrando na igreja e eu solando “A Montanha” de Roberto e Erasmo Carlos… 

– Eu vou subir, uma luz lá no Alto eu vou ouvir… A Montanha e ficar, bem mais perto de Deus e rezar…

No Ginásio fui estudar no Salesiano e já estudava violão no conservatório de música, toquei na missa com Antônio Dias e Marcos Passos, e foi lá que comecei a compor e participar de festivais de música com o meu parceiro Alex Pinheiro. Foi aqui que o palco ficou enorme e a plateia triplicou de tamanho.

Foi em um desses festivais que conheci Jorge Lins de Carvalho, um sujeito grandão meio desengonçado que fazia teatro, parceiro do Paulo Lobo, cantor e compositor que tinha visto no festival de música do Salesiano. Por dois anos seguidos Jorge foi o vencedor do festival. Jorge tinha o grupo Raízes de teatro infantil, quando ele me ouviu cantar e tocar fez o convite para que eu participasse do grupo como músico. Ainda fui em alguns ensaios no teatro Atheneu, mas não deu muito certo. Lá conheci Luiz Eduardo Oliva, a linda Aninha Queiroz, Silvinha Leite, Cesar Macieira e outros que junto com o Jorge faziam o grupo Raízes. Naquela época o Espetáculo era “Jamelaço o Herói Nacional”, uma afronta ao regime militar em um espetáculo infantil.

Alguns anos se passaram e em 1981 montamos um show chamado “Entre Amigos”, uma reunião de amigos parceiros, ou parceiros amigos, eram eu (Neu Fontes), Alexi Pinheiro, Emanuel Dantas, Denys Leão e Genival Nunes.

O Show seria no teatro Atheneu e teríamos que solicitar a SUCA – Subsecretaria de Cultura e Arte, a liberação do espaço, o Subsecretário era Luiz Eduardo Costa e um dos diretores era o Jorge Lins. Voltamos a nos encontrar, Jorge liberou o teatro e realizamos o show em dois dias no mês de junho com o teatro lotado e todos os ingressos vendidos com uma produção nunca vista na nossa capital. O “Entre Amigos” é um divisor de águas na produção musical do nosso estado. 

No segundo dia do show tivemos um problema com um cinegrafista de uma emissora de TV que foi cobrir o evento, ele sem apresentar nenhuma credencial e nem equipamento tentou entrar no teatro, foi barrado na portaria e isso acabou em um grande mal-estar. Tive o meu primeiro embate com Jorge Lins, que nos acusou de ter barrado a imprensa. A discussão foi grande e bastante desagradável, pois Jorge se impondo com aquele tamanhão todo e eu, encrenqueiro profissional, nunca fugi de um bom combate. 

Continuamos a nos encontrar em lados opostos, logo depois nos ensaios do Festival de Música da TV Sergipe FSMPB, pois éramos concorrentes. Eu com o “Entre Amigos” e ele Jorge, com o Paulo Lobo e Chico Pires.

No dia do festival na hora da nossa apresentação, o “Entre Amigos” estava concorrendo com a música “Voo Livre”. O som deu uma grande pane e paramos a apresentação duas a três vezes. Como o festival era da TV Sergipe e transmitido pela primeira vez ao vivo, isso era um grande problema. 

O local do festival foi o Constâncio Vieira, sem nenhuma acústica para apresentações musicais, e se o som não tivesse muito ajustado não se consegue cantar, pois quando o áudio fica com delay ou eco, você ouve tudo atrasado… E foi o que aconteceu. Como não conseguia ouvir, parei a música logo na introdução, um corre, corre danado com a parte técnica, pois estávamos ao vivo para todo o estado. Embaixo do palco a confusão era grande, os coordenadores, Jorge Carlos Gomes e Mozart Santos mandavam cantar ameaçando tirar a música do festival. De repente aparece Jorge Lins, peitando a coordenação e defendendo a gente, quase chegando as vias de fato com Gomes. A partir desse momento criou-se uma atmosfera de respeito e cordialidade entre nós.

Algum tempo depois, Jorge me convidou para terminar as composições de um espetáculo que ele tinha começado com Lula Ribeiro. Como nosso Lula tinha ido morar no Rio de Janeiro, o trabalho ficou incompleto. Isso foi em 1983, desde então ficamos amigos e parceiros em mais de 200 músicas infantis e tantas outras composições, como Pecado de Pássaro gravada por vários artistas como Rogério, Chico Queiroga e Antônio Rogério, Pedro Luan. Além de Na Mira do Luar com Roberto Alves, e músicas com o Bando de Mulheres, entre outros.

Jorge é um artista irrequieto, talentoso e criativo, o rei dos projetos e em muitos participei sem pestanejar. Circo Amoras e Amores, Gincanas Culturais na Atalaia Nova, Festival de Verão e inúmeros espetáculos com o grupo Raízes. Sua mais duradoura criação, o grupo com a maior média de público infantil assistente de Sergipe e uma das melhores do Nordeste.

Jorge tem marcado na sua história momentos de glória na nossa cultura, foi diretor de cultura da SUCA, da Fundesc – Fundação Estadual de Cultura. Criou importantes projetos como o Novo Canto, Rodoviarte, projeto Auxílio Montagem, o primeiro edital voltado para o fomento das artes em Sergipe entre outros tantos, trouxe para o nordeste o projeto “O Teatro vai à Escola” e deu oportunidade em todas as áreas que trabalhou a pessoas que ele reconhecia com talento. 

Jorge Lins é ator, diretor, compositor, poeta, produtor, escritor, criador, pensador, jornalista e um dos maiores agentes culturais que conheço. Um herói como Jamelaço que tem uma carapaça de valente e um coração do tamanho do mundo.