Sempre fui musical desde menino. Gostava de ouvir minha mãe Susete cantando, minha avó América tocando piano, meu avô José Domingues ouvindo seus boleros e meu avô José Alves, o Dede Sombrinha da Estância, assobiando parecendo um passarinho. Era sempre muito prazeroso observar e ouvi-los.

Minha bisavó, Noemi Brandão, que tinha uma voz linda cantando, era mais de conversar e filosofar. Em uma dessas tardes, que eu adorava passar ao seu lado, falávamos sobre o cometa Halley. Eu dizia que tinha medo que caísse na terra, aí ficou tudo em silencio, ela me olhou com aqueles olhos verdes lindos e disse: “meu neto, de vez em vez uma estrela cai do céu trazendo um frescor e um novo recomeço, temos é que aproveitar”. Sempre tentei seguir seus ensinamentos.

Era o ano de 1995, quando encontrei o amigo, músico e jornalista, Beneti Nascimento, ex-integrante do Grupo Bolo de Feira, que fez muito sucesso no início dos anos oitenta, participando até do Projeto Pixinguinha nacional ao lado do João do Vale e a cantora Milena. O grupo era formado por Antônio Carlos (depois du Aracaju), Maroaldo, Zézinho, Mica, Jairo Bala e o Beneti Nascimento.

Nesse encontro o Beneti me falou da sua filha, que eu deveria vê-la cantando, pois cantava compunha um tipo de canção que ele sabia, que eu gostava muito. Passou o tempo elogiando e descrevendo todo o talento dessa jovem filha  nascida em Sergipe, criada em Alagoas e que morava no Rio de Janeiro com a mãe, onde estudava dança e artes cênicas. Ele contou que a filha queria morar em sua terra Aracaju, finalizou dizendo – ela canta muito, tá pronta para o sucesso. Fiquei curioso, mas não tive oportunidade de ir a nenhuma apresentação da menina.

No ano seguinte o Beneti apareceu no meu estúdio, Capitania do Som, dizendo que a sua filha iria se inscrever no Festival Canta Nordeste, da Rede Globo, e gostaria de gravar o demo da música que ela ia apresentar. Eu disse – claro, o estúdio está a sua disposição e sem custo. Ele marcou com Clea minha cunhada e Secretaria o dia, mas, sinceramente, não sei se ele chegou a gravar lá, pois viajei no período.

Classifiquei uma música no mesmo festival e, curioso, procurei o nome da filha do Beneti que estava lá: “Camará, com Patrícia Polayne”. A primeira vez a gente nunca esquece, e foi assim que escutei a voz limpa, tranquila e voraz da menina Polayne, da mulher Patrícia.

– Vem, meu camará!… Vem, correndo namorar!… A Lua veio me avisar, vai ter festa a noite, inteira. Avise o povo de lá…,

A canção barroca foi apresentada em uma intepretação impecável, bem ao estilo de “Os Madredeus”, grupo português que adoro. E não ficava só nisso, tinha pitadas tropicalistas com sotaque bem sergipano, uma maravilha, que ganhou a todos, inclusive, o Festival, como melhor música e melhor interprete. Um começo avassalador para a nossa Patrícia Polayne.

Surge no cenário musical brasileiro uma cantora e compositora versátil, inteligente e criativa e, de 1997 a 2002, ela participa de vários e importantes festivais de música pelo Brasil. Diante de tanto sucesso é convidada a produzir trilhas sonoras para teatro e se sai muito bem. Entre elas destaco: “Baal”; de Bertolt Brecht e “O Casamento Suspeitoso”, de Ariano Suassuna. Os autores e produtores de cinema deram a oportunidade de Patrícia experimentar o cinema e ela com brilhantismo produziu as trilhas sonoras, de curtas como: “Acorda!”, de Igor Barradas e “Avenca”, de Raphael Borges e Alessandra Sampaio. A estreia como atriz e figurinista chegou rápido, do curta ficcional de inspiração surrealista “Epiphanie”, da diretora Gabriela Caldas. Uma artista completa se mostrava para todos.

A Patrícia é um camaleão. Já experimentou de tudo e se adaptada, aprende, reconstroem cria e recria. Viveu mambembe viajando pelo país com uma trupe de circo, onde aprende a arte da pirofagia, da palhaçaria e técnicas de malabares, entre 2002 a 2005. Estreou como produtora com o grupo “Ukiti”, e ganhou mais festivais importantes como “Prêmio Banese” (2005), o “Festival Nacional de Música da ARPUB” (Associação das Rádios Públicas do Brasil) e, em 2007, gravou um cd artesanal, “Polayne”. Também abriu shows de artistas nacionais como: Olodum, Pitty, Dj Dolores e Rosa Passos entre outros.  Representou Sergipe na Feira Musica Brasil, vencendo o Prêmio Produção Pixinguinha 2008/2009, selecionada em edital pelo Ministério da Cultura e contemplada com a gravação do seu primeiro disco Circo Singular – As  Canções de Exilio.

Alguém escreveu sobre Polayne: do coral à tropicália, do coco ao Cocteau Twins, da música latina aos ritmos afro-brasileiros. Patrícia reinventa estilos fruto de um trabalho original e diferenciado de pesquisa e vivência com os timbres de Sergipe e do Nordeste. “Dá licença, eu vou passar com meu trovão”. É o grito de guerra dessa cantora e compositora, que tem o poder de causar de empunhar bandeira em defesa do que ela acredita, de chorar, sofrer e ficar feliz pelos outros e por suas vitorias, e parte dessa vivência da Patrícia, colocada no seu primeiro disco.

O Circo Singular – As Canções de Exílio foi lançado em 2009, inteiramente autoral, foi produzido por Junior Areia, do Mundo Livre S/A e tem a participação de Roberto Menescal. Com uma sonoridade bem construída e estudada, Patrícia usa suas influências artísticas, que ultrapassam a fronteira musical como o teatro, o cinema e a sua visão e experiencia com o circo. O disco traz 11 canções: O Circo Singular, Sapato Novo, Arrastada, Lentes de Contato, Quintal Moderno, Aparelho de Memoriar, O Dote da Donzela, Rio Sim, Sabiá, Beija Flor e Olhai o Tempo do Interurbano.

Um disco regional, universal, alegre, triste, agridoce, emocional e imortal. Uma fusão de ritmos, sentimentos e vivencias uma verdadeira obra de um artista em ebulição e crescimento. Um prazer ouvir e sentir o Singular da Patrícia, que fez o disco, para contar o que viu, o que sentiu do sonho ou o que sobrou do sonho.

Minha Bisavó, como sempre, estava certíssima sobre a estrela. Ela que cai de vez em vez, trouxe frescor e (re)figurou o caminho da música sergipana. Vinde, vê-la! Maria Estrela, pulou daquela cadeira do céu! Mulher cheia de dom, divina, que passeia num tempo cordel. Orgulho de uma sergipana boa talentosa, antenada, capaz e por isso, canto seu canto: “Salve, terra santa de família! Que eu também sou da guerrilha, também quero guerrear!”.

 

Neu Fontes
Cantor, Compositor, Publicitario, Gestor Cultural
Presidente do Instituto Helvio Dorea Maciel Silva