Por Jorge Carvalho do Nascimento

Algumas lideranças do Movimento Democrático Brasileiro, como o deputado federal Marcelo Cerqueira, consideravam inoportuna a reforma partidária de 1978. Na verdade, a maioria dos líderes do MDB defendia que a reforma partidária fosse feita através de um plebiscito no qual se consultasse a opinião do eleitor brasileiro, respaldando os grupos interessados e os embriões dos novos partidos. A reforma partidária, contudo, foi aprovada pelos deputados e senadores ligados ao governo, inclusive com um terço do senado eleito de forma indireta em 1978. A lei 6.767, aprovada no dia 22 de novembro de 1979, extinguiu a sublegenda e os dois partidos criados pelo ato complementar número quatro, obrigando as novas agremiações a adotarem o nome Partido e um P como primeira letra da sua sigla. Assim, o Movimento Democrático Brasileiro, buscando manter as suas características adotou a denominação de Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Além das necessidades de superar as barreiras formais que a legislação eleitoral impunha, manter vivo o MDB implicava também em superar as discriminações sociais que a militância na oposição à ditadura sofria, mesmo quando os militantes eram empresários de sucesso como os da família Teixeira. Tarcísio Teixeira revelou que esse tipo de segregação política era visível quando convivia com setores ligados ao comando arenista: “José Rollemberg Leite era muito ligado a mim. A esposa dele, Dona Lourdes Silveira Leite era irmã da minha sogra, a mãe de Aparecida, minha esposa. E era também prima da minha mãe, Alda. Além disso, José Rollemberg Leite e a esposa foram padrinhos do meu casamento. Em função dessa amizade eu frequentava muito a casa de José Rollemberg Leite, mesmo porque com a ditadura ele viveu um período de isolamento político, apesar de ser um dos líderes da Arena. Quando José Leite, para surpresa de todos, em função da disputa, foi escolhido como um Tertius para ser o Governador do Estado, uma das primeiras pessoas para quem ele telefonou fui eu. Me fez o convite para que eu fosse até a casa dele à noite, pois ele ia comemorar, ia dar uma recepção. Eu o alertei: Dr. José, eu sou irmão de José Carlos. Ele insistiu dizendo que eu nunca deixaria de ir à sua casa. Eu fui, e como tinha intimidade com ele entrei pela área de serviço. Todos os chefes da Arena já estavam na varanda. Entrei pela cozinha, falei com Dona Lourdes, e pedi a Dona Lourdes para chamar Dr. José. Ele veio para a copa, eu o cumprimentei e me retirei, pois quando eu entrei vi todos os olhares dos chefes da Arena voltados para mim, com aquele ar de interrogação, de quem pensava: o que é que este irmão de Zé Carlos está fazendo aqui? Eu cumprimentei o Dr. José Leite, dei meu abraço e me retirei. Antes da indicação dele para governar o Estado, poucos chefes da Arena costumavam frequentar a casa dele. Quando eu ia visitá-lo, os poucos que eu avistava por lá eram Francisco Paixão e Horácio Góes” (Cf. TEIXEIRA, Tarcísio Mesquita. Entrevista concedida a Jorge Carvalho do Nascimento no dia sete de junho de 2008).

Outras vezes, por intermédio da discriminação era tentado o impedimento do registro da candidatura de alguns militantes. Em 1974, antes mesmo da convenção partidária, o primeiro candidato a enfrentar problemas desta natureza, de ampla repercussão, foi o padre Arnóbio Patrício de Melo (foto). Tão logo se anunciou o seu nome como candidato oposicionista à Assembleia Legislativa, ele recebeu uma reprimenda por parte da autoridade eclesiástica. O arcebispo metropolitano de Aracaju, D. Luciano Cabral Duarte, anunciou no seu programa, “A Hora Católica”, transmitido no domingo 17 de março pela Rádio Cultura de Sergipe, a suspensão do padre das suas funções eclesiásticas por tempo indeterminado. De acordo com o jornal Gazeta de Sergipe, “O anúncio tomou de surpresa a Capital sergipana causando controvérsias, acreditando a população que tal medida se deu em virtude do Padre Arnóbio ser candidato pelo MDB” (Cf. “Arcebispo suspende Pe. Arnóbio”. In: Gazeta de Sergipe, Ano XIX, nº 4.727, 19 de março de 1974. p. 1). Formalmente, a medida foi tomada pelo Conselho da Arquidiocese, sob a presidência do arcebispo e composto por oito padres responsáveis por paróquias da capital e do interior. Durante o programa, D. Luciano abandonou seu habitual comedimento e atacou o padre de modo muito duro, afirmando que tal decisão foi tomada “pelo procedimento moral incompatível com as normas da Igreja” (Cf. “Arcebispo suspende Pe. Arnóbio”. In: Gazeta de Sergipe, Ano XIX, nº 4.727, 19 de março de 1974. p. 1).

O padre decidiu manter a sua candidatura, mas manifestou sua estranheza diante da decisão do arcebispo: “Só não consegui entender o ato de D. Luciano Duarte, ao pretender me suspender, mesmo porque não pertenço a Arquidiocese de Aracaju, nem a nenhuma do interior do Estado. Há uma lei da Igreja que determina a incardinação (ou seja, a inscrição) na Arquidiocese onde o padre mora há mais de 6 anos. Seria o meu caso, pois moro em Aracaju há bastante tempo, mas nem isso a Arquidiocese daqui providenciou” (Cf. “Arcebispo suspende Pe. Arnóbio”. In: Gazeta de Sergipe, Ano XIX, nº 4.727, 19 de março de 1974. p. 1). Do ponto de vista eclesiástico, o padre Arnóbio questionou a punição que lhe foi imposta, uma vez que por não ser inscrito na Arquidiocese estava vinculado e subordinado diretamente à Ordem Salesiana, à qual pertencia.

Professor da rede pública estadual, lotado na Escola Normal, o Instituto de Educação Rui Barbosa, o padre Arnóbio solicitou uma audiência ao governador do Estado, Paulo Barreto de Menezes, para esclarecer a sua posição como funcionário público. Após recebê-lo, o governador também concedeu audiência ao padre José Carvalho, diretor do Colégio Arquidiocesano, membro do Conselho Estadual de Educação e também do Conselho Presbiterial da Arquidiocese, sendo consequentemente um dos signatários do documento que puniu o padre Arnóbio.